Aumento do custo de produção reduz venda de jornais

Há cada vez menos pessoas a ler jornais. O aumento dos custos de produção, motivado pela inflação, reduziu o poder de compra de vários leitores.

Natural de Lisboa, Vítor Pinheiro, de 71 anos, é um dos afetados pela subida dos preços. De consumidor diário de jornais, passou a comprar apenas dois exemplares por semana, optando por um generalista e um desportivo. 

Por outro lado, o consumo de Carlos Costa, professor de matemática em Lisboa, mantém-se. Apesar de reconhecer uma diminuição de compra generalizada porque “as pessoas têm prioridades”, continua a adquirir a sua edição de preferência ao fim de semana.

O Quiosque Paulo Pereira, na Avenida dos Estados Unidos, em Lisboa, reflete a escalada da inflação no setor da imprensa. Se a pandemia fez aumentar o preço dos jornais em 10 cêntimos, no cenário atual a situação agrava-se. De 1,30€, um jornal diário passou para 1,50€.

O proprietário sentiu em primeira mão a redução das vendas. “Antes vendia 30 exemplares do Correio da Manhã e agora só 10 ou 15”, confessou.

Em causa está o aumento dos custos de produção e de matérias-primas como o papel e a tinta no contexto da escalada da inflação, que bate recordes de mês para mês. Contudo, de acordo com o Público, o aumento do preço do produto final é “insuficiente para equilibrar o impacto da subida do custo do papel nas receitas do jornal”.

Aumento dos custos de produção: uma realidade incontornável 

João Oliveira, Designer Gráfico da Gráfica Simões e responsável pela produção e impressão de jornais locais, conta ao ISCTE que a crise económica e as pressões inflacionistas têm impactado bastante os custos de produção, nomeadamente devido à subida do preço do papel.

João Oliveira afirma que, antes da inflação, o preço do papel para imprimir jornais e revistas “custava cerca de 5/6 euros”, mas este valor “agora está praticamente no dobro, situando-se atualmente na ordem dos 11 euros.”

Com a atual crise económica e financeira, a impressão de um jornal na Gráfica Simões custa agora “um terço a mais”, em comparação aos anos transatos de 2020 e 2021.    

Outro aspeto importante sublinhado por João Oliveira diz respeito aos custos de eletricidade. O Designer Gráfico admite que “os custos elevados da eletricidade também têm impactado o preço final dos jornais. As máquinas para produzir as chapas offset e para fazer as impressões gastam bastante eletricidade (…) Precisamos de cerca de 4 máquinas diferentes para produzir um jornal.”

As palavras de João Oliveira remetem-nos, precisamente, para uma notícia veiculada pelo Jornal Dinheiro Vivo em novembro de 2021. Segundo este órgão de comunicação social, o preço do papel de jornal e de revistas “disparou nos mercados internacionais e, tudo indica, que irá continuar a subir. A escassez de produto, que se alia ao aumento dos custos da energia, das matérias-primas e da distribuição, criou uma tempestade perfeita que está a preocupar as gráficas e os meios de comunicação social.”

O jornal digital sublinha ainda que, em Portugal, não existem fábricas que produzam papel de jornal, devido à pequena dimensão do setor, pelo que a imprensa portuguesa “está totalmente dependente da importação e destas oscilações de mercado.”

Em entrevista ao Dinheiro Vivo, Paulo Dourado, da Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas e Transformadoras do Papel (APIGRAF), afirma que esta indústria está a sentir “a pressão do aumento do preço das matérias-primas, nomeadamente do papel, tal como de outros fatores, como a energia.”

Francisco Gomes da Silva, Diretor Geral da Associação da Indústria Papeleira (CELPA), avança também ao Dinheiro Vivo que este setor tem verificado “impactos quer nos preços da energia adquirida nos mercados, quer nos diversos custos dependentes da energia e dos combustíveis, como é o caso dos transportes e de toda a logística e operações”.

Em entrevista ao Dinheiro Vivo em março de 2022, Francisco Correia, gerente de uma das maiores fabricantes ibéricas de produtos de papelaria e embalagem (a Ancor), admitiu que os preços do papel atingiram “máximos históricos (…)”.

Fernanda Quintas, funcionária Administrativa da Gráfica Diário do Minho, conta ao ISCTE que a empresa gráfica faz a impressão de mais de 50 jornais locais e regionais e que os custos de produção têm aumentado substancialmente nos últimos tempos, sobretudo devido ao contexto da inflação e da crise económica em Portugal.

A funcionária administrativa descreve a situação atual como “muito preocupante” e afirma que “(…) os custos de produção têm aumentado bastante. Nós tentamos minimizar o preço final para o cliente, mas não é fácil. Os jornais, coitados, tentam sobreviver a esta crise, mas isto tudo está a ficar um bocado complicado para eles também.”

Contactada pelo ISCTE, Ana Torres (Diretora Comercial) afirma que “(…) a escassez e o aumento do preço bruto do papel causaram um caos este ano na maioria das gráficas, incluindo na nossa. De repente, o preço do quilo do papel que era 89 cêntimos, passou a 2 euros e 10. Como devem calcular, isto tem um impacto brutal nos orçamentos e nas tesourarias das gráficas.”

A Diretora Comercial confidencia que o modo de trabalho da empresa gráfica teve de mudar “totalmente” nos últimos meses porque as grandes empresas fornecedoras de papel deixaram, numa primeira fase, de ter papel “por causa da pandemia e do encerramento de algumas fábricas de produção de papel” e, posteriormente, devido “à Guerra na Ucrânia e pelo facto do papel que vinha da Rússia ter deixado de vir.”

Neste contexto de carência, Ana Torres afirma que “o mercado Europeu teve de começar a abastecer-se em Portugal, porque a qualidade do nosso papel é um dos melhores da Europa. Isso fez com que Portugal ficasse praticamente sem papel.”

A Diretora Comercial da Lousanense acrescenta, ainda, que o atual cenário de produção de papel em Portugal é uma autêntica “vergonha” porque “as nossas fábricas, como a Navigator, continuam a produzir imenso papel, mas vendem quase tudo lá para fora e não deixam nada em Portugal.”

Questionada sobre os custos de produção, Ana Torres afirma que os preços da tinta e do papel “supostamente só deveriam custar 30%”, mas, neste momento, com a subida generalizada dos preços, há jornais e revistas “que custam 50% a produzir, o que não pode acontecer de todo.”

A Diretora Comercial conta ao ISCTE que, atualmente, os principais clientes da Gráfica Lousanense são as grandes editoras, nomeadamente a Penguin Random House (Penguin Livros). Ana Torres garante que, apesar da inflação e do aumento dos preços, as editoras “felizmente ainda conseguem suportar os custos de produção.”

Questionada sobre o preço final cobrado aos clientes e os constantes ajustes que a empresa gráfica tem de fazer, Ana Torres afirma que “os orçamentos têm de ser feitos mês a mês. O que é hoje já não é amanhã. Não temos certezas de nada. Agora nem damos prazos nem estimativas. Dizemos apenas que, aquando da adjudicação, o preço final pode sofrer alterações.”

Raspadinhas impedem quiosques de fechar

Com o aumento do preço, os jornais deixam de ser o negócio principal dos quiosques para dar lugar às raspadinhas.

Estas tornaram-se a maior fonte de rendimento do quiosque lisboeta de Paulo Pereira, impedindo o negócio de deixar de ser lucrativo. “Fazemos 300€ em raspadinhas diariamente”, conta o proprietário.

Ainda que sejam de papel, as raspadinhas mantêm o preço, o que explica a mesma e, por vezes, mais elevada procura. Sem a confirmação por parte da entidade responsável, Paulo Pereira aponta a diminuição de prémios como explicação para o preço do jogo não acompanhar a inflação.

Portugal é o país europeu com maior gasto em raspadinhas, representando mais do dobro da média europeia. Números de 2018 mostram, que à data, os portugueses gastavam 4,4 milhões por dia. No ano seguinte, a receita cresceu 7,8%.

Artigo por Ana Leão, Ana Rita Cunha e Bruno Saraiva

Posted by Ana Rita Cunha