A Aventura de um inquiridor à Boca das Urnas

Domingo, dia de eleições, participei na sondagem à boca das Urnas em Vendas Novas no distrito de Évora, conduzida pelo CESOP (Centro de Estatísticas, Sondagens e Opinião) da Universidade Católica para a RTP.

Aqui se relata a minha experiência, nesta pequena localidade do Alentejo, descrita por Saramago como terra de militares e de pó… 

Muita gente não sabe como é que as sondagens são feitas. Eu era uma delas. E fiquei a perceber que por detrás de uma sondagem existe muito trabalho árduo e uma equipa extensa de inquiridores. A tarefa, explicada na formação anteriormente realizada na Universidade Católica, e que contou com 120 pessoas, consiste em pedir aos eleitores que votem de novo, assim que saem das assembleias de voto, num boletim fictício. Os votos são depois reunidos numa urna e em cada duas horas é feita a sua contagem, que depois é transmitida ao CESOP, de modo a dar informações atualizadas à RTP sobre o desenvolvimento das votações.

Confesso que a urna foi a minha melhor amiga, quando se tratava de convencer as pessoas a votar de novo. Exibia um letreiro com as famosas letras R-T-P. O efeito “órgão de comunicação” ajudou e o meu nome era agora “menina da RTP”. Adotei, por isso, a estratégia de ocultar que a sondagem era da Católica, e ataquei logo para “a sondagem para a RTP”. Foi evidente a reação de interesse imediato. Quem não tem cão caça com gato.

Nesta aventura, contei com a presença de uma colega que estava a desempenhar a mesma função que eu para a TVI/CNN/Observador. O que no início pareceu uma disputa de inquiridores, passou a ser uma enorme entreajuda, irmandade e compreensão pelo trabalho do outro. Disseram-me que a TVI costuma ser “feroz” por trabalhar com a empresa externa Pitagorica, responsável pelas sondagens, inquéritos e estatísticas, além de ser detentora de uma enorme equipa. Na verdade, a única vantagem visível que a colega tinha era o recurso a um tablet, onde era pedido aos inquiridos que preenchessem o seu voto, clicando com o seu dedo no dispositivo. Mais “moderno” que as minhas humildes fotocópias do boletim de voto. No entanto, mesmo este pequeno contratempo, revelou-se uma vantagem, porque, sendo a população de Vendas Novas maioritariamente idosa, o papel sempre é visto como “coisa mais fiável” do que um ecrã que sabe-se lá para que serve. E nisto, como em tudo, a alma alentejana sempre foi desconfiada. No fim, eu e a minha “adversária” conseguimos igualmente um bom número de eleitores. Até saímos de lá amigas, penso eu.

Vendas Novas é um município bastante envelhecido como os últimos censos de 2021 mostram, registando cada vez mais população com 65 anos ou mais . E isso era confirmado pela maioria dos votantes que inquiri. Registei reações muito contrastantes perante o pedido de inquérito para a sondagem: umas pessoas ficavam extremamente indignadas, outras intrigados, e ainda outras interessadas e até colaborativas. Dou um exemplo; ao abordar um casal de idosos para saber se queriam participar na sondagem, estes responderam que desta forma o voto já não seria secreto (aliás, muitas pessoas disseram isso). Isto, obviamente, revela a falta de conhecimento sobre este tipo de procedimento estatístico. Também me disseram que quando os telespetadores viam as sondagens na televisão julgavam que os resultados já estavam decididos, pelo que já não valia a pena ir votar, motivando a abstenção. “As sondagens são uma vergonha”, diziam alguns. Mesmo depois de lhes explicar corretamente o procedimento, ainda assim alguns recusavam.  Pelo contrário, outro inquirido a quem expliquei o procedimento para a sondagem ficou tão bem impressionado com a eficácia dos órgãos de comunicação, que fez questão de estimular toda a família a participar também na sondagem. Recordo-me que um dos primeiros eleitores do dia foi um casal de idosos que recusaram votar na sondagem, mas fizeram questão de me dizer em quem tinham votado: “Ponha aí CDU menina. Nós sofremos muito, fomos um povo sofrido. Não tenho medo de mostrar o meu voto”. Calculei que pertenceriam ao tradicional eleitorado da CDU, que caracterizou a zona do Alentejo durante largos anos. O PCP do pós-25 de Abril foi o responsável pela Reforma Agrária e pela defesa dos interesses dos trabalhadores e jornaleiros alentejanos, uma memória ainda muito viva no povo alentejano. Esta ideia era reforçada por uma inquirida, ainda relativamente jovem, que dizia: “No Alentejo respeita-se muito a vontade dos antepassados, e por isso iria sempre votar CDU, mesmo não vendo futuro para o partido.”

No fim, olhando para o resultado destas eleições, a CDU foi o terceiro partido mais votado em Évora com 14.56 por cento dos votos, o segundo distrito que obteve mais votos CDU no país inteiro. Mas, no reverso da medalha, também devo destacar que o Chega teve uma grande subida neste distrito e no Alentejo em geral (ficou como quinta força política no distrito de Évora), o que representa uma certa viragem à direita de um Alentejo que em tempos votava CDU.

Finalizado o dia, arrumei a minha urna e rumei a Lisboa. Agora só faltava ir devolver o material à Universidade Católica. Mais tarde confirmei que a projeção da Católica, revelada pelas 20h00 (1h depois de termos terminado os inquéritos) coincidiram com pouca margem de erro resultados oficias. Nada disto aconteceria se o CESOP não tivesse uma vasta equipa, onde reinou a organização e persistência.

Posted by Madalena Vieira